26 de março de 2011

O Edil

Acácio Dias era um dos sócios da Casa Dias, Lda., mas foi também durante algum tempo vereador da Câmara Municipal de Nampula. Levou o seu cargo muito a sério e também algumas "causas" a peito.
No recorte de jornal que aqui junto, a notícia sobre um dos projectos que lhe foi mais "caro", o Parque Felgueiras e Sousa.

NAMPULA A CIDADE MAIS FLORIDA DE MOÇAMBIQUE

Todos os assuntos eram objecto de discussão, como habitualmente, na mesa fronteiriça à minha. Indiferente, ia saboreando o meu café com a pachorra natural dos Sábados à tarde.
A conversa não era comigo mas de um momento para o outro, a minha atenção despertou quando o sr. eng. Sustentava, com argumentos de ocasião, a sua tese. O parque Felgueiras e Sousa, um absurdo. Praça Salazar, uma estupidez em tamanho natura. Jardins e flores, para quê? Perguntava o referido senhor. Uma Câmara, parca de rendimentos nunca devia nem podia dar-se a tais luxos. Aqueles terrenos, no meio da cidade, postos em praça, ter-lhe-iam rendido uma boas dezenas de contos, que poderiam satisfazer outras necessidades prementes que, até hoje, não tiveram solução adequada. A Câmara preferiu contrair encargos com a manutenção dos tais jardins, quando poderia obter lucros certos. Duplo prejuízo.
A minha intromissão no assunto seria indelicadeza, embora a vontade fosse muita de lhe poder dizer:
Tem muita razão, sr. Engenheiro. A sua dialéctica está absolutamente correcta... comercialmente. Não concordo apenas com a pergunta “jardins e flores para quê?”. Malesberbes, ministro de Luís XVI, numa discussão orçamental, já com sinais de impaciência perguntou:”... mas, por amor de Deus, respondei-me: Há alguém no mundo que não goste de flores?” Até hoje, ninguém tinha respondido à chamada. A flor de Lotus simbolizou um pais; um açafate de flores suscitou a criação do capitel coríntio. A cana de S. José floriu. Alem das figuras extremamente humanas de Degas, das primaveras de Renoir, dos salpicos de Van Gogh e dos verdes e amarelos de Gauguin, desde, em suma Velásquez aos mais contemporâneos – com excepção daqueles que, para encobrirem a sua mediocridade, aos borrões dos seus pincéis chamam herméticos, metafísicos, intimísticos e surrealistas – nenhum resistiu à tentação de reproduzir em tela o encanto de uma flor. Até Picasso o fez, na sua primeira fase! Pena é que, nos gabinetes de Hitler e Goering, nunca tenham sido vistas.
Não nos podemos admirar, portanto, que Nampula, uma bela e jovem rapariga de vinte anos apenas, exigisse um diadema de flores: e a Câmara, que nasceu para a servir, lhe tenha feito a vontade. Hoje já ela pode dizer, sem o perigo de contestação “o que podia ser o slogan dum cartaz de turismo”: Sou Nampula, a cidade mais florida de Moçambique.

Isto quanto a flores, sr. Engenheiro. Quanto aos jardins, muito teríamos a dizer – só por agora – as dezenas e dezenas de crianças, o quanto lhes tem sido salutar um local onde lhes é possível correr, saltar e conviver, fora dos caixotes de cimento armado, sem ar, sem jardim, a quem chamam “flats”.
Eu, sr. Engenheiro, estou com a Câmara. Saúdo os seus vogais e em especial o vereador Acácio Dias, para quem vai um muito obrigado pela sua iniciativa de tornar mais linda esta linda terra, dotando-a com parques e jardins floridos.
C. RODRIGUES

19 de março de 2011

Banco Nacional Ultramarino

A Casa Dias tinha uma óptima relação com os bancos em Nampula, mas com o BNU havia uma relação muito mais que institucional.
No mundo dos negócios nada acontece por acaso, e esta ligação começou pouco antes do Natal, no princípio dos anos 60.

Depois da loja fechar e depois de terem ido a casa jantar, o meu pai e o meu tio Francisco, voltaram para à loja.
Era época de Natal e estava um camião de brinquedos, à porta, para descarregar, como era habitual nessa altura, os dois descarregaram os camião, colocando as caixas no chão à porta da loja, para depois as carregar para dentro.
Estavam já a levar as caixas para dentro da loja, quando passou à porta da loja um director do BNU que estava de visita a Nampula, foi falar com os dois irmãos e ficou impressionado com o afinco no trabalho que eles mostravam. Pediu-lhes para aparecerem no banco no dia seguinte.
Assim foi, no dia seguinte estavam no banco e foi-lhes oferecido um financiamento.
Segundo conta o meu pai, perguntaram-lhes que montante precisariam, ao que o meu pai respondeu (atirando um número mais ou menos ao calhas, mas elevado): "cem contos". Como resposta recebeu: "Vamos pedir 200 contos!" A autorização para os empréstimos passava pelo cunho da Metrópole, mas o aval era dado pelos directores e gerentes em Moçambique.
Foi pouco depois concedido à Casa Dias um financiamento de 150 contos. Ao que parece bastante dinheiro para a época!
Assim começou a ligação entre dois parceiros e que continuou ao longo dos anos.
A Casa Dias oferecia tradicionalmente um jantar de homenagem ao BNU, por altura no seu aniversário.

17 de março de 2011

Em todas as famílias, creio eu, haverá sempre histórias para contar, umas mais tristes outras mais alegres. Os Dias têm algumas que vão passando de geração em geração, especialmente as que têm algo de anedótico.
O “especialista” das respostas sempre prontas e que davam azo às melhores anedotas da família era o meu avô Francisco.
Na sua loja de Braga, onde vendia tecidos, passaram-se alguns episódios dignos de nota.

O meu preferido, é o da seda da China.

Certo dia atendia o meu avô uma cliente que queria um tecido para mandar fazer um vestido. Esta cliente já era bem conhecida na casa, e todos sabiam que era um pouco esquisita, gostava de ver todos os tecidos possíveis e tinha alguma dificuldade em decidir-se. O meu avô era uma pessoa razoavelmente paciente, no entanto, com um sentido de humor algo peculiar.
Com esta cliente, desta vez, a venda estava difícil, a cliente não se decidia e queria ver cada vez mais tecidos, alegando que não era bem o que queria.
A certa altura o meu avô, farto de atender a cliente, diz-lhe que vai buscar uma seda especial. Foi ao armazém buscar um corte de seda, tão especial era que já tinha uns anos de casa sem se vender!.
Apresenta o tecido à cliente, “Minha Senhora, seda autêntica da China!”, a cliente olha para o tecido, diz que é muito bonito, mas lá vem as dúvidas da senhora, e pergunta:
“Oh Senhor Dias, mas isto é mesmo seda da China?”
O meu avô prontamente lhe responde: “Oh minha Senhora, seda autêntica da China, cheire por favor, até cheira a amarelo!”
黄色
Este tipo trocadilho, (o tecido velho que normalmente fica amarelo, e os chineses amarelos) com resposta pronta e convincente, é apanágio do sentido de humor do meu avô. É preciso presença de espírito e ao mesmo tempo um controlo fantástico para se conseguir dizer isto, sem titubear e ao mesmo tempo se manter sério. Ele conseguia-o na perfeição.

11 de março de 2011

A Feira

Numa das minhas conversas com o meu pai, para memoria futura, perguntei-lhe como e porque é que se abriu a Feira.

Aquele espaço estava a ser utilizado como armazém e para a revenda. Havia também a necessidade de libertar a Sede da venda dos artigos mais baratos pois o espaço estava a tornar-se pequeno para a clientela.
Decidiram então abrir uma casa mais popular, onde se vendessem os artigos mais baratos.
O nome FEIRA, veio da expressão, “isto parece uma feira!”, porque logo no início a mercadoria foi colocada em tábuas de madeira assentes em malas de porão! Só mais tarde foram mandadas fazer as mesas próprias para o efeito.
Para quem se lembra os artigos na Feira estavam espalhados por toda a loja, e os clientes escolhiam e levavam à caixa para pagar.

Falando em chitas, este tecido era o chamariz daquela casa, as chitas sempre foram vendidas a preço de custo ou mesmo abaixo. (quem diria dumping!), mas pouca gente levava só chitas, para chegar ao balcão onde elas estavam tinham que atravessar a loja até ao fundo, passando entre as mesas que “populavam” por toda o sítio, e lá compravam um par de meias, um pára-mamas, um calção, etc, etc. De facto, fazia-se na Feira, à custa das chitas, um pouco daquilo que nos fazem hoje os supermercados com as “promoções e outras complicações”.

Na porta da Feira estava sempre o Manel, alto e forte, com cara de pouco amigos, obrigava os clientes a deixar as bacias, alguidares e sacos à porta, e de vez em quando tinha que fechar a porta porque a casa estava muito cheia, quase parecia uma entrada de discoteca nos dias de hoje.

O Gomes, minhoto de Monção, o gerente, andava sempre de um lado para o outro. Tinha como seu braço direito a Alina, uma mulher incrível, com uma capacidade de trabalho extraordinária.
O Chico, que saudades! Claro que pouca gente se lembra dele a menos que tenha trabalhado lá, o Chico, pai do Francisco Chico, foi um dos primeiros empregados da casa, era amoroso, tinha um cuidado incrível connosco, as suas meninas. Mais tarde começou a ter problemas com a bebida, poucos dias trabalhava, mas aparecia sempre para receber o ordenado (que diga-se de passagem lhe foi sempre pago). Numa coisa ele não falhava, todos os Sábados de manhã ia à estação de comboios buscar as cangarras de caranguejo, que levava a nossa casa de seguida.

Perdoem-me aqueles que não menciono, mas os anos passaram e a memória foi-se especialmente para nomes, prometo continuar a minha pesquisa e voltar a escrever sobre as tantas e tantas pessoas que passaram pela Feira.

Reviver o passado

Que bom é recordar!
Mais ainda, que bom é voltar a encontrar os amigos e as pessoas que de alguma forma fizeram parte desta história.

Hoje mesmo, falei com o Manel Franqueira, herdeiro dos Armazéns Franqueira & Gameira, e filho dos nossos grandes e saudosos amigos, Manuel e Zulmira Franqueira. Como ele me dizia à pouco, a ligação é tão grande que somos como família, e é verdade.

Manel, obrigada por teres ligado. Vamos com toda a certeza ter oportunidade de recordar, juntamente com os meus pais e tia, muitos dos episódios que marcaram as nossas famílias.

Bem hajas!

8 de março de 2011

Aniversário

Faz hoje exactamente 87 anos que nossos Avós, Palmira e Francisco José de casaram, em Braga.
Ao longo do tempo, fomos festejando sempre esta data, estivessemos onde estivessemos - os de África brindavam e tocavam o "tantan" e os de cá, brindavamos e tocavamos o tantan, lembrando os "presentes e ausentes"...
A verdade é que, fisica ou espiritualmente unidos, sempre celebramos o casamento dos Avós..., mesmo hoje lembramos, quando já só estão nos nossos corações!
Lembro bem quando, em 8 de Março de 1974, celebramos as Bodas de Ouro dos Avós... Pela primeira vez, os Tios e primas de Moçambique vieram todos juntos, já que normalmente vinha uma das familias apenas.
Junto dos Avós festejamos a sua felicidade, o seu testemunho de amor, coragem e união ao longo da vida... juntos, com muitos outros familiares e Amigos, celebramos a vida e a história da nossa Familia: quatro filhos, três noras e um genro, sete netas e um neto..., e os Avós!
Muitos e bons!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Foi deste exemplo que sempre nos orgulhamos e hoje passamos a nossos filhos que conhecem as histórias, as regras, as caracteristicas de cada um dos Dias fundadores, como se tivessem privado com eles.
Sabemos do seu carinho, do seu bom humor, do seu trabalho, do seu rigor... e nossos filhos sentem orgulho quando lhes dizemos que nisto ou naquilo se parecem aos Avós. Valeu a pena!

Aos Avós devemos a fundação - a nós é pedida a continuidade.
Aos Avós devemos o exemplo - a nós é exigida a continuidade.
Aos Avós o nosso beijo, hoje, que sabemos eles receberão com o sorriso e a benção de sempre.
Faz hoje 87 anos que nossos Avós, Palmira e Francisco casaram, em Braga. Lembro que todos os anos festejavamos esta data em familia, e juntos, brindavamos "pelos presentes e pelos ausentes", com um toque nos tubos de metal que soavam cerimoniosa e respeitosamente... esses tubos que a Malen guarda em sua casa, com muito carinho e que nós, netos, chamavamos simplesmente de tantan, se a memória me não falha! Brindavamos sempre pelos ausentes, que queria dizer pelos filhos e netos em África, lá longe, de quem recebíamos noticias por carta e gravadas em bobines de fitas que chegavam de longe! Lembro bem quando, em 1974, nos juntamos todos para festejar as Bodas de Ouro dos Avós: e todos somos muitos!!!!! Quatro filhos, três noras, um genro, sete netas e um neto...e os Avós! Conseguir que viessem os dois Tios de Moçambique, ao mesmo tempo... foi a 1ª vez! Junto a nós estavam mais familiares e muitos amigos, incluindo o Sr Manuel Franqueira e a SRª D. Zulmira, o João Gonçalves e a D. Julinha ,... De todos e em todos há saudade... Quando, passados todos estes anos, continuamos a lembrar e a intimamente celebrar o casamento dos Avós, é porque realmente valeu a pena, é porque foram grandes, é porque permanecem vivos nos nossos corações e vidas - nós que os lembramos e vamos dando a conhecer aos nossos filhos que não puderam já privar com eles. Todos sabem estas histórias da Familia. E todos se orgulham dela!

(Na foto as sete netas e o neto)

MMDC